Feriado em Camboja

 

Feriado em Camboja

Prelúdio

Japão, início de 1989.
Durante uma série de operações conduzidas pela força-tarefa internacional Stargazer, agentes identificaram e desmantelaram centros clandestinos de treinamento e experimentação ligados à megacorporação Star Alimentícios. Nestes locais, foram descobertas diversas drogas experimentais, mas uma delas se destacou por sua periculosidade: a S-Gamma — uma substância com propriedades de controle mental, capaz de transformar suas vítimas em “soldados-zumbis”, obedientes de forma cega à primeira pessoa que lhes dirigir uma palavra-chave durante o estado de indução hipnótica.

Investigações mais profundas revelaram que a droga não era apenas um composto químico, mas um híbrido perverso de biotecnologia moderna com práticas ocultistas, envolvendo o que algumas testemunhas chamaram de “sangue de demônio”.

Os efeitos da S-Gamma foram observados pela primeira vez em jovens japoneses sequestrados, aliciados por promessas de artes marciais, rebelião ou oportunidades no exterior. Esses jovens foram capturados por uma organização militar privada conhecida como o Exército da Vingança, liderada por um comandante misterioso conhecido apenas como Vendetta, ou "H.U.N.K". Injetados com a droga, os adolescentes foram posteriormente vendidos aos Heróis do Khmer Vermelho, uma facção comunista radical do Sudeste Asiático, então liderada por Ong Son — um veterano colossal em estatura e força, conhecido com respeito e ironia como “O Cambojano Grandão”.

Embora Ong Son tenha sido capturado durante a operação “Fim de Treino”, os Heróis do Khmer Vermelho conseguiram fugir com os japoneses drogados. Sem sua liderança, a facção acabou caindo sob controle de seu segundo em comando, Kiri An — um fanático sanguinário que sonha em se tornar rei de um novo Camboja tirânico. Ele declarou Ong Son morto, tomando o controle absoluto da facção com o apoio do Exército da Vingança e maior acesso à S-Gamma, com a qual vem criando um exército cada vez maior de soldados zumbificados.

A Stargazer compreendeu que o uso dos jovens japoneses não era apenas prático, mas também simbólico e político: uma demonstração do poder da droga sobre qualquer ideal, cultura ou vontade individual.

Após a sua libertação das mãos da seita japonesa Yagyu, Ong Son foi resgatado pela Stargazer e convencido a abandonar a estratégia da coerção e lutar por uma causa justa — reunindo novamente seus antigos aliados, mas agora guiado por princípios legítimos de libertação e autodeterminação, sob normas da lei internacional e com o compromisso de nunca mais cooperar com interesses corporativos ou exploratórios.


Por que a Stargazer se envolve

O superintendente Charles Lacroix, líder da força-tarefa Stargazer, determinou que o envolvimento no Camboja era inevitável. Caso a S-Gamma se espalhe, a Star e seus aliados poderão reconfigurar lealdades políticas no Terceiro Mundo — criando exércitos de marionetes e promovendo guerras por procuração, tudo isso mascarado por discursos de progresso.

Além disso, a recuperação dos jovens japoneses não é apenas uma missão humanitária, mas crucial para a compreensão total da S-Gamma. Caso a operação tenha êxito, a Stargazer poderá coletar amostras das diversas variações da droga e finalmente desenvolver um antídoto eficaz. O caso foi nomeado com ironia como "Operação Feriado no Camboja", alusão direta à forma como o Exército da Vingança disfarçava o tráfico humano sob o pretexto de “intercâmbios culturais” e “retiros espirituais”.

Fase Um – Infiltração e Reconexão

20 de julho de 1989.

A missão tem início com um desembarque clandestino na cidade portuária de Krong Preah Sihanouk, onde os agentes da Stargazer devem encontrar o agente Ricardo Cruz — operativo da equipe de Yunuen responsável por reconhecimento internacional. De lá ele irá os conduzir até a vila de Kanpok Trach, nas bordas do território agora dominado por Kiri An, hoje um campo minado de antigos aliados hesitantes.

Krong Preah Sihanouk


Com a possibilidade de restaurar Ong Son à liderança dos Heróis do Khmer Vermelho, resgatar os reféns japoneses e impedir a consolidação da droga experimental, a Stargazer se prepara para sua missão mais suja, ambígua e politicamente volátil até então — onde cada inimigo pode ser uma vítima, e cada vitória, uma derrota moral disfarçada.

O Acordo com Ong Son

Após a crise da prisão La Santé e com o colapso da aliança com Hatori, Ong Son foi transferido — sob risco extremo — à custódia da seita Yagyu, inimigos sutis e imprevisíveis. Antes disso, no entanto, ele aceitou uma proposta da Dra. Gunwoo, temendo cair no esquecimento por parte da própria facção que ajudou a construir.

O acordo era simples, mas ousado:

Libertar todos os sequestrados. 

Cessar toda e qualquer relação com o Exército da Vingança.

Gunwoo, por sua vez, ofereceu orientação para que Ong Son reconstruísse sua organização de forma legítima, livre de práticas exploratórias ou alianças corruptas. Sem meios seguros de mantê-lo detido, a Stargazer precisou apostar alto, confiando que ele honraria a palavra.

Antes disso, Gunwoo o interrogou exaustivamente, coletando informações valiosas sobre a estrutura dos Heróis do Khmer Vermelho: suas instalações, líderes e rotas de suprimento — informações que, se usadas contra ele, podem destruir o que resta de sua influência. E ele sabe disso.

A Ascensão de Kiri An

Durante a ausência de Ong Son, o comando dos HKV caiu nas mãos de Kiri An, um homem frio, fanático e sedento de poder, que rapidamente se aliou ao Exército da Vingança e passou a expandir o uso da droga S-Gamma. Seu plano é simples e brutal: criar um exército de soldados-zumbis leais apenas a ele, capazes de fundar um novo regime — sua versão radicalizada do antigo Khmer Vermelho.

O Exército da Vingança também lucra com isso: testa a droga em campo real, desestabiliza a região e sustenta o caos necessário para manter regimes frágeis e governos fantoches em Camboja, Vietnã, Laos e Tailândia. A constante ameaça do exército de Kiri An é o combustível perfeito para o tráfico de armas, drogas e “proteção internacional”.

No interior dos HKV, o clima é de divisão:

Alguns guerrilheiros se deslumbraram com a ideia de comandar escravos imparáveis.

Outros estão aterrorizados pelas atrocidades e pela completa perda de propósito.

Mas ninguém ousa se levantar — pois os dissidentes se tornam os próximos zumbis.

A Oportunidade

Alguns poucos guerrilheiros ainda leais a Ong Son desertaram e se escondem. Com eles pode estar a chave para reconquistar influência, libertar reféns e tomar posse dos ativos do Exército da Vingança.

Gunwoo aposta tudo em um refúgio isolado, cuja localização foi passada por Ricardo Cruz, que está na região pouco mais de um mês, viabilizando a missão. Segundo ele, o local é usado apenas pelos remanescentes leais a Ong Son. Pode ser uma armadilha? Claro. Mas Gunwoo está disposta a arriscar tudo — não apenas pelos prisioneiros, mas pela chance de compreender, de uma vez por todas, a versão S-Gamma usada pela Stardust.

Desdobramento da Operação

Para essa missão crítica, Charles Lacroix destaca os operativos Lad’ya e Shiro — mas Shiro é substituído de última hora por Elizabeth Browing, dado o nível de risco.

A operação exige precisão total e discrição máxima:

Extração dos reféns vivos.

Apreensão dos ativos do Exército da Vingança.

Retirada segura de todos os agentes envolvidos.

Se tudo correr bem, a aliança com os HKV pode ser restabelecida com Ong Son no comando.

Se falhar... o Camboja poderá cair nas mãos de um tirano ainda mais insano que Pol Pot.

Objetivos Primários

Extrair os reféns dos Heróis do Khmer Vermelho. 

Apreender o máximo possível de ativos do Exército da Vingança. 

Garantir a retirada com vida de todos os operativos.

Objetivo Secundário

Estabelecer uma aliança estratégica com os HKV, sob nova liderança de Ong Son.

Krŏng Preăh Seihănŭ

Os investigadores chegam ao Camboja sob o calor úmido e pesado da costa, desembarcando discretamente na cidade portuária de Krŏng Preăh Seihănŭ, onde o passado colonial se mistura com ruínas da guerra recente. À sua espera está Ricardo Cruz, agente veterano da equipe de Yunuen Trembley Pérez, que há semanas prepara o terreno com o cuidado de quem sabe que um passo em falso pode custar vidas.


Ricardo os leva para conhecer a guia local: Chivy San, policial veterana, de poucas palavras e olhar opaco. Eles a encontram num restaurante simples, meio vazio, onde o rádio sintonizado em ondas curtas parece resistir ao tempo como ela. Magra, baixa e marcada por anos de frustração e batalhas perdidas, Chivy fala sem rodeios:

“O Camboja já sangrou demais. E esses ‘Heróis’... só fazem piorar tudo. A polícia não quer se meter. Eles levaram a sobrinha da minha melhor amiga. Eu disse que não ia mais ficar parada.”

Ela trouxe consigo duas velhas picapes Toyota da década de 70, veículos da polícia cambojana — enferrujadas, com os bancos remendados e o motor cansado, mas confiáveis como ela.

“Uma é minha. A outra é de vocês. Não abusem.”

Chivy não apenas entrega o veículo — ela guia pessoalmente a caravana até a vila de Kanpok Trach, cruzando estradas de terra esburacadas, pontes improvisadas e postos de controle sob domínio vietnamita. O tempo todo, atenta ao horizonte e ao rádio, ela explica o contexto: o Vietnã ainda domina a região, mas está pronto para se retirar a qualquer momento, o que deixará um vazio de poder que Kiri An está ansioso para ocupar.

Antes da partida, Gunwoo reúne a equipe à sombra de um galpão desativado:

“Atenção total. Se sentirmos cheiro de emboscada, abortamos. Se parecer armadilha, abortamos. Se Chivy ou Cruz tiverem qualquer hesitação, abortamos. Essa missão é importante, mas ninguém aqui vai virar mártir.”

A poeira levanta à medida que os motores rugem.
Chivy San vai à frente. Os investigadores a seguem.
Depois de Kanpok Trach, estarão sozinhos.

Mas, ao contrário dos receios de Gunwoo, não há armadilha.

Ao chegarem ao destino, os investigadores encontram uma velha borracharia à beira da estrada poeirenta de Kanpok Trach — uma estrutura modesta de paredes rachadas e ferramentas penduradas como talismãs. Na fachada, uma placa desbotada exibe em cambojano apenas:
“Borracharia Son”.

É lá que vivem os fantasmas de Ong Son.

Chivy San, agora mais à vontade após horas de estrada, havia conversado longamente com Ong durante o trajeto. Algo mudou em sua expressão. Ao descer da caminhonete, ela os encara um a um, e pela primeira vez em muito tempo, sorri — com leveza, mas também com peso. Em seguida, endurece a fisionomia e se despede com palavras que parecem gravadas a fogo:

“Vocês me deram algo que eu não queria… esperança.
Se transformarem isso em veneno, eu juro que os caço em qualquer lugar onde estejam.”

Ela deseja boa sorte no próprio idioma, vira as costas e parte — levando consigo o rastro de todos os que um dia acreditaram demais.

Na borracharia, o grupo é recebido por Borai Son, irmão mais novo de Ong. Ao ver o gigante à sua frente, seus olhos se enchem — de lágrimas e de ira. O reencontro é tenso, amargo.

“Você devia ter morrido com os outros. Pelo menos teria levado tua culpa com você.”

Borai acusa Ong por tudo: pelas mortes, pelos sequestros, pela traição dos ideais revolucionários que seu povo nutria.

“Você transformou os Heróis do Khmer Vermelho em monstros! E agora traz agentes estrangeiros pra terminar o serviço?”

Ong não reage com raiva. Apenas se curva, abaixa a cabeça — e pede perdão.

“Não vim repetir o erro. Vim consertar o que comecei. E por isso... trouxe eles.”


Para forçá-lo a encarar o legado que deixou, Borai os conduz até o fundo da casa, onde repousa o patriarca da família: Dara Son, o avô de ambos, agonizando lentamente de câncer.

Ao vê-lo, Gunwoo se agacha instintivamente ao lado da cama, observa a coloração da pele, o ritmo da respiração, os frascos empoeirados na mesa. Sua expressão se fecha.

“Essa medicação... está obsoleta. E pior: é mal fabricada. Pode matá-lo antes do câncer o fazer.”

Sem esperar permissão, Gunwoo chama Yuki Kagawa e Dan Ji Seok, e os três montam um posto médico improvisado ali mesmo, no chão de cimento, ao lado das ferramentas e peças de borracha.

Lad’ya se aproxima de Borai, pousa uma mão no ombro dele.

“Deixa ela trabalhar. Você vai ver.”

Enquanto Gunwoo reorganiza os medicamentos e os aplica com destreza, Ong explica:

“Ela é a melhor médica que conheço. E a única que ainda acredita em cura.”

Horas depois, com o paciente estabilizado, Gunwoo se levanta, suada e exausta, e entrega a Borai um frasco com remédios mais potentes e instruções detalhadas.

“Seu avô é forte. O que fizemos vai mantê-lo por pelo menos um mês. Mas ele vai precisar de acompanhamento, exames, deslocamentos... e proteção.”

Ela faz uma pausa, firme:

“Nós podemos prover isso. A Stargazer pode prover isso.
Mas não podemos ajudar num território que nos considera inimigos.
Se essa vila — se esses homens — se tornarem hostis, não haverá mais cuidados. Só silêncio.”

Borai a encara em silêncio. Em seguida, olha para o irmão, e diz com dureza:

“Prometa. Prometa que não vai falhar com ele de novo.”

Ong olha nos olhos do irmão e responde com gravidade:

“Eu juro. Por ele... e por tudo o que destruí.”

Gunwoo entrega os remédios restantes a Borai e passa as instruções com precisão quase militar.
Borai então se vira para o grupo, respirando fundo:

“A vila é de vocês. Enquanto fizerem o que é certo...
Kanpok Trach será um refúgio.”

E assim, entre remendos de borracha, mágoas profundas e promessas renascidas, a Stargazer fincava seu primeiro ponto de apoio no território do inferno.

Ricardo aproveita a situação para chamar todos para o briefing que ele preparou. 

BRIEFING OPERACIONAL — OPERAÇÃO “FERIADO NO CAMBOJA”


Local:
Kanpok Trach
Data: 20 de julho de 1989
Horário: 18:00
Classificação: CONFIDENCIAL – STARGAZER EYES ONLY

Responsável pelo briefing: Agente Ricardo Cruz (Equipe de Reconhecimento - Trembley Pérez)

Situação Atual

A liderança dos Heróis do Khmer Vermelho (HKV) encontra-se sob domínio de Kiri An, ex-guarda real cambojano e atual agente operativo do Exército da Vingança.
Extremamente brutal, carismático e manipulador, Kiri An consolidou seu poder utilizando a droga S-Gamma como ferramenta de controle comportamental em larga escala.

Segundo relatos verificados por Cruz, os reféns japoneses estão sendo mantidos vivos como “reserva de energia”, sendo literalmente canibalizados por Kiri An em rituais pseudomilitares que ele acredita conferir força espiritual e física.

A retomada do controle por Ong Son dependerá da reconquista de suas antigas linhas de comando, principalmente os três tenentes-chave:

Objetivos Prioritários (Ativos Potenciais)

1. Narith Chum — Especialista em Comunicações e Criptografia

Formação: Academia Militar Bǎodìng Jūnxiào (China)

Situação: Leal a Ong Son por convicção ideológica, mas coopera com Kiri An por pragmatismo.

Vulnerabilidade: Parte de sua tropa foi zumbificada com S-Gamma como forma de pressão.

Missão ativa: Amanhã, Narith estará liderando uma operação para interceptar armas de uma coluna vietnamita. A abordagem nesta janela é essencial.

Valor estratégico: Possui os códigos de comunicação internos dos HKV. A captura/adesão de Chum permitirá interferência e redirecionamento de ordens inimigas.

2. Sokhann Prak — Comandante de Cavalaria Blindada e Especialista em Demolições

Formação: Academia Militar Saint-Cyr (França)

Perfil: Intelectual militarista, altamente disciplinado. Aderiu à causa de Ong Son por idealismo; permanece com Kiri An por cálculo estratégico.

Motivação: Pragmático. Considera trocar de lado se perceber Ong Son como força viável de vitória.

Recursos sob seu controle:

1 T-55 (tanque principal)

2 BMP-1 (veículos de infantaria)

1 ZSU-23-4 Shilka (antiaéreo)

1 pelotão de elite com engenheiros de combate

Importância tática: Prak controla o grosso do poder de fogo terrestre dos HKV. Sua adesão altera completamente o equilíbrio militar.

3. Dara Yim — Comandante de Logística e Transporte

Formação: Universidade Nacional de Tecnologia de Defesa (China)

Habilidades: Especialista em suprimento, manutenção, mobilidade e realocação de tropas blindadas.

Vínculo pessoal: Antiga companheira de Ong Son. Continua ideologicamente oposta a Kiri An, mas está emocionalmente aprisionada.

Ponto de contenção: Seu irmão, Sareth Yim, foi sequestrado e transformado em soldado-zumbi por ordem de Kiri An. Dara colabora com o regime para manter o irmão vivo.

Hipótese operacional: Cruz acredita que Sareth está lotado em um pelotão que conecta a cadeia de suprimentos de Prak a Dara, o que torna essencial conquistar Prak antes de tentar recuperar Dara.

Valor estratégico: Se Dara abandonar Kiri An, ele perderá a espinha dorsal logística do exército, comprometendo o suprimento de munição, combustível e ração.

Análise de Prioridades – Ordem Recomendada de Ação

Narith Chum

Abordagem: Contenção e convencimento.

Resultado esperado: Acesso aos códigos de comunicação dos HKV + dissolução parcial da tropa zumbificada.

Sokhann Prak

Abordagem: Demonstração de força, combatividade e articulação.

Resultado esperado: Captura de blindados e ruptura no front de combate.

Dara Yim

Abordagem: Missão de resgate com operação cirúrgica para curar Sareth Yim.

Resultado esperado: Colapso da retaguarda logística de Kiri An.

Recomendações Finais

Após o encerramento do briefing, a agente Samantha Gagnon recomendou exercícios de adaptação em ambiente tropical/silvestre, com foco em navegação de terreno irregular, movimentação furtiva e resposta a emboscadas em vegetação densa.

Missão será retomada ao nascer do sol.
Autorização para uso de força letal apenas sob ameaça direta.
S-Gamma é um fator biológico e espiritual. Capturar usuários vivos é prioritário para estudo e neutralização posterior.

FIM DO BRIEFING
Agente Responsável: Ricardo Cruz
Autorizado por: Comando Operacional - Trembley Pérez

(21/07/1989)Líder a ser persuadido – Narith Chum

O amanhecer no interior montanhoso do Camboja ergue-se enevoado e abafado, como se o próprio ar retivesse a tensão da missão. Com os motores das caminhonetes desligados, os agentes da Stargazer observam a mata densa ao redor enquanto Ricardo Cruz se ajoelha sobre um mapa rasgado e sujo de barro, traçando com precisão a provável rota de um grupo rebelde.

“A emboscada vai ser aqui,” sussurra. “Estrada montanhosa, ponte improvisada. Um comboio vietnamita deve cruzar esse rio no fim da manhã. Chum estará esperando com seus homens.”

Narith Chum, o primeiro dos três tenentes a ser abordado, é um estrategista e operador de comunicações altamente treinado. Embora tecnicamente subordinado a Kiri An, seu passado com Ong Son e sua formação ideológica revelam um homem dividido entre a obediência forçada e a memória de um ideal traído. Sua lealdade, como o próprio Cruz alerta, é uma corda esticada prestes a arrebentar.

Narith Chum

O plano de Kiri An é claro: manter Chum sob controle zumbificando parte de seus homens com S-Gamma, tornando-o dependente e cercado. Se Chum tiver esperança de voltar a pensar por si mesmo, será agora — antes que a droga engula o resto de sua tropa.

Com base nos rastros de rádio e sinais dispersos no espectro, Ricardo triangula a posição do pelotão. Ele deixa o grupo a pouco mais de um quilômetro do local, preparando sua posição de observação e prometendo estar ao alcance de uma chamada de rádio para resgate ou reforço.

“Se algo der errado, chame por ‘Cruz’. Eu estarei ouvindo.”

Gunwoo, sempre clínica e precisa, aproveita a pausa para fazer um lembrete firme:

“Eles são vítimas. Se possível, sem tiros letais. Estamos aqui para quebrar um ciclo, não continuar outro.”

Ela ordena o uso de munição não letal sempre que viável, principalmente com os soldados-zumbis.

Sob orientação de Samantha Gagnon, o grupo parte em formação dispersa, usando a mata como camuflagem. Para manter-se fora do alcance das ondas de rádio detectáveis, Gunwoo determina que o time mantenha distância mínima de 200 metros da coluna de Chum até que o contato visual seja estabelecido.

“Quando localizarem o grupo, retornem e reposicionem a equipe a 100 metros. Só então faremos a abordagem.”

A tarefa de reconhecimento silencioso cabe a Ong Son e Lad’ya, os únicos com a experiência e presença física capazes de se infiltrar sem levantar suspeitas — e ainda assim, caso fossem notados, intimidar.

Na espreita entre cipós e lama, os dois seguem em silêncio. Em pouco mais de uma hora, a missão ganha forma: o grupo de Chum está ali, em marcha até o ponto da emboscada.

Com a localização confirmada, Ong e Lad’ya retornam. Gunwoo monta a operação de rádio com apoio remoto de Hiyata Mamoru, que comanda as comunicações criptografadas a partir da base em Kobe.

“Saru chamando Bunny,” sussurra Mamoru pelo canal seguro.
“Bunny na escuta,” responde Gunwoo com naturalidade, enquanto calibra o transmissor.

Após alinhar a frequência de Chum, Ong Son assume o microfone.
Sua voz, pela primeira vez em muito tempo, tem um tremor sincero.

“Chum... é Ong. Estou vivo. E não voltei pra repetir o passado. Voltei pra consertá-lo.”

Uma pausa longa. O rádio chia. E então, a voz de Narith Chum, seca e dura como pedra:

“Fico feliz por saber que ainda vive... Mas também queria que estivesse morto, maldito. Pelo que fez, pelo que deixamos virar…”

A tensão no grupo é palpável. O silêncio da selva amplifica cada batida do coração.

Mas Chum se isola do grupo, deslocando-se para um ponto seguro da estrada onde possa continuar a conversa fora do alcance auditivo dos soldados-zumbis. Isso por si só já é um avanço. Ele quer ouvir — mesmo que ainda não esteja pronto para perdoar.

“Fala. E seja convincente. Porque a verdade é que só estou ouvindo por respeito ao homem que você já foi.”

A diplomacia de campo vai começar.

Na encosta da colina coberta por bambus e folhas úmidas, o rádio estala com ruído seco, e a voz de Narith Chum retorna, desta vez mais firme — mas carregada de mágoa.

“Você pôs tudo a perder, Ong. Foi você quem abriu as portas. Nós lutávamos por liberdade… agora olhe para nós: sequestradores, carniceiros, servindo um novo senhor... e nem temos consciência disso.”

A voz de Chum é acompanhada por sussurros ao fundo — seus homens mais próximos, ainda confiando nele. Alguns, provavelmente sob efeito da S-Gamma, conversam, riem, fumam. Não há nada de anormal neles, exceto a nova bússola moral que agora os orienta: Kiri An.

Ong Son respira fundo, aperta o transmissor.

“Você tem razão. Eu deixei isso começar. Eu me curvei, deixei o poder cegar meu ideal. E agora... eu estou pagando por isso. Só que não com arrependimento, Chum. Com ação.
Estou aqui para consertar.
E trouxe aliados para isso.”

A conversa se prolonga, tensa. Chum escuta. Avalia. Questiona.

“E esses aliados? Outra força estrangeira? Outro mestre oculto no jogo das nações?”

Ong responde com firmeza:

“Eles não representam nenhum governo. São a Stargazer — uma força internacional que nasceu para combater os crimes fascistas que os impérios modernos deixaram crescer. Eles não querem tomar nosso país, Chum. Eles querem impedir que o arrastem ainda mais para o abismo.”

Hesitante, Chum aceita ouvir a tal agente.

Gunwoo assume o canal. Sua voz não é autoritária, mas segura. Precisamente diplomática, com a energia de quem está acostumada a negociar entre feridas abertas.

“Chum, não estamos aqui para comandar. Estamos aqui para impedir que monstros como Kiri An e a Star Corp nos reduzam a ferramentas.
Se for pelo pragmatismo, aceite nossa ajuda. E se, no fim disso, quiser nos ver partir… partiremos.”

Um longo silêncio. Depois, o rádio chia:

“Você fala bem, doutora. E ouve melhor do que muita gente. Muito bem. Eu topo. Mas há um problema.”

Chum explica, com a voz quase abafada:

“Metade do meu pelotão está sob S-Gamma. Eles são meus homens. Ainda são. Mas... se souberem que vou abandoná-lo, me matarão. Ou pior — me delatarão.”

Gunwoo responde com calma:

“Nós temos o antídoto. Mas não podemos usá-lo em campo sem um plano.”

É então que Lad’ya se inclina, pensativo, e propõe:

“Vamos nos disfarçar. Só um pequeno grupo. Cientistas. Fingimos ser enviados do Exército da Vingança para vacinar os soldados contra malária ou outra doença tropical. Aplicamos o antídoto no processo.”

A ideia é boa — mas há um detalhe que Gunwoo logo aponta:

“Eles já foram vacinados contra malária. Isso vai levantar suspeitas.”

Silêncio. Então, Gunwoo sorri de lado, iluminada por um lampejo de inspiração:

“Diga que o comboio vietnamita está transportando material radioativo capturado dos imperialistas.
A injeção será a ‘substância B-43’ — um reforço de resistência física e proteção contra radiação, um projeto especial da Star. Os soldados já ouviram esse tipo de coisa antes. Vão engolir.”

Chum concorda. É uma boa cobertura. E uma narrativa que os soldados — mesmo sob o efeito da droga — reconhecerão como plausível.

Momentos depois, no canal de rádio aberto entre os soldados, a voz de Narith Chum ecoa firme:

“Atenção, irmãos.”
“Recebemos ordem direta de Kiri An. O comboio carrega equipamento capturado dos imperialistas — material experimental, radioativo. Há risco de contaminação. O Exército da Vingança está enviando uma equipe médica com injeções reforçadas de resistência física, adaptadas pelos próprios cientistas da Star para nosso uso.”

“Todos devem seguir o protocolo. Recusa será tratada como sabotagem.”

O transmissor se fecha. O zumbido da tensão volta a tomar conta do silêncio.

É a hora.
O disfarce está montado. O antídoto está pronto.
E pela primeira vez, Ong Son não carrega apenas a culpa — mas também, um plano.

Os céus de chumbo pairam sobre o vale montanhoso quando o grupo avança. A encosta rochosa ao norte abriga o destacamento de Narith Chum, junto ao equipamento de rádio e seus seis guerrilheiros mais confiáveis. Do outro lado da clareira, ainda dispostos em posição de emboscada, dez combatentes conversam, mantêm suas armas limpas, cantam entre si. Estes são os outros — os marcados pela droga. Os “zumbis”, como muitos os chamam, embora o nome não lhes faça justiça.

Eles sorriem, trocam piadas, demonstram preocupação com as famílias, debatem comida e saudade, como qualquer soldado em campo. Mas por trás do riso, há algo profundamente distorcido: seus corações batem por Kiri An. Não por escolha, mas por redirecionamento. A S-Gamma não rouba a alma. Ela realoca a bússola moral — e por isso, é tão terrivelmente eficaz.

Os agentes da Stargazer se aproximam com passos firmes.

Gunwoo, Dan Ji e Yuki estão vestidos como cientistas do Exército da Vingança — o disfarce é convincente, quase natural, sobretudo porque Dan Ji e Yuki, em algum ponto de seus passados, de fato já serviram involuntariamente à Star Corp.

Lad’ya, por sua vez, assume a persona de soldado veterano, escoltando a equipe com naturalidade e uma postura que inspira respeito. Mas antes de entrarem no vale, ele olha de esguelha para Gunwoo, franzindo as sobrancelhas com leve provocação:

“Doutora, a senhora está... convincente demais. Parece uma cientista que perdeu o irmão num teste de armas biológicas e agora tem sede de vingança. Vai atrair atenção.”

Gunwoo sorri — por trás dos óculos e do cabelo preso com precisão cirúrgica.

“Então finja que estamos discutindo detalhes técnicos. Assim eu me recalibro.”

A aproximação se dá sem resistência. Narith Chum repassa as ordens com naturalidade e voz de comando. O anúncio das vacinas — o protocolo da substância B-43 — não levanta suspeitas. Pelo contrário, dois dos soldados mais próximos, aqueles que Lad’ya havia impressionado durante a chegada, se adiantam para serem os primeiros na fila.

Com autoridade médica, Gunwoo orienta:

“Dois grupos, formem fileiras. Injeção no braço esquerdo. Mantenham a respiração regular. Sentirem náusea, avisem imediatamente.”

Ela e Yuki inoculam os soldados um a um, enquanto Dan Ji e Lad’ya preparam as seringas com o antídoto. A operação corre com precisão cirúrgica.

Em minutos, os dez soldados afetados pela S-Gamma são tratados.

O efeito é imediato — e devastador.

O brilho nos olhos deles muda. Pequenos gestos ganham peso. A consciência retorna como uma enxurrada de memória e culpa.

Primeiro vêm os olhares — confusos, estranhamente aflitos. Depois, o tremor nas mãos. As vozes embargadas. A realização: as ordens que seguiram, os amigos que entregaram, os inocentes que calaram... tudo foi feito de livre vontade roubada.

Um dos soldados, um jovem com uma tatuagem de estrela na clavícula, grita. Agacha-se no chão, tapa os ouvidos como se pudesse deter o barulho da própria consciência.

“Eu... Eu... Eu disse que era pela revolução! Que ela era traidora! Mas ela só queria ver o filho! Meu Deus!”

Ele desaba, tomado por um colapso nervoso violento.

Imediatamente, Gunwoo larga a maleta, ajoelha-se ao lado dele. Dan Ji segura seus ombros para que não se machuque. Narith Chum, embora calejado, segura as lágrimas e o abraça:

“Você está de volta, irmão. E é isso que importa. Nós vamos passar por isso. Juntos.”

Outros soldados caem de joelhos. Alguns choram em silêncio. Um deles segura a mão de outro com força, como se só o calor de um companheiro pudesse mantê-lo inteiro. Outro grita para o ar uma jura de vingança contra Kiri An.

A tropa, agora unida — zumbis e “livres” — torna-se um só corpo de cicatrizes.

A operação foi um sucesso tático, mas o preço emocional se revela alto.
A Stargazer libertou corações, mas agora precisa lidar com suas ruínas internas.

Lad’ya, Gunwoo, Yuki e Dan Ji sabem que o maior inimigo agora não é o Exército da Vingança.
É o eco do que se perdeu.

O vale havia mudado.

Em pouco mais de uma hora, o campo de emboscada se tornara uma sala de recuperação. Não havia tiros, não havia ordens. Havia gente deitada no chão, chorando ou rindo em nervosismo, abraçada a colegas de combate, buscando um norte no meio da névoa que a S-Gamma havia deixado para trás.

Os agentes da Stargazer — Gunwoo, Dan Ji, Yuki e Lad’ya — alternavam entre curativos, palavras de consolo e explicações. Alguns dos soldados curados mantinham os olhos baixos, como se olhassem diretamente para a vergonha em seus próprios peitos. Outros, enrijecidos, queriam respostas.

“Vocês não são do Exército da Vingança,” disse um deles.
“Então quem são? Quem faz isso... e depois ajuda?”

Gunwoo os encara, limpa as mãos com um lenço úmido manchado de terra e sangue, e responde sem hesitar:

“Somos da Stargazer.
Não somos Estado. Não somos império.
Somos quem caça aqueles que esquecem o valor da vida humana.”

A resposta cala fundo. Um dos soldados, ainda ajoelhado, esboça um sorriso torto. Outro assente em silêncio, enxugando os olhos com as costas da mão.

Da subida da colina, o som de passos anuncia a chegada de reforços.

Descendo pela estrada de terra vêm Samantha Gagnon, ainda suada e com o sua besta nas costas, e Beth Brawl, a montanha de cabelos alvos marrenta. Juntas, como leões fêmeas guardando a retaguarda de algo muito mais perigoso.


E com elas, como um pilar de concreto com olhos humanos, Ong Son, o Cambojano Grandão.

Quando os ex-zumbis o veem, alguns tremem. Outros gritam. Uma das mulheres da tropa sussurra, com os olhos marejados:

“Eles... eles não podem ser porcos capitalistas. Olhem quantas mulheres lutam com eles...!”

A observação é recebida com risos nervosos, e logo uma espécie de calor humano toma conta do ambiente. Mesmo feridos, mesmo em colapso, os soldados se aproximam de Ong — tocando seu braço, abraçando suas pernas, chorando como filhos voltando para casa.

Narith Chum, agora firme e orgulhoso, se posiciona ao lado de Ong Son. O gesto diz tudo.

Ong ergue os braços e o vale silencia.

“Camaradas,” sua voz ecoa como trovão sobre a terra úmida.
“Olhem para mim. Eu não volto como salvador. Volto como culpado. Fui eu quem colocou vocês nesse caminho. Fui eu que deixei a ideia dos nossos heróis ser corrompida...
…mas também sou eu que escolho, agora, colocar fim nesse erro.”

“Os Heróis do Khmer Vermelho não foram feitos para servir senhores estrangeiros.
Não fomos feitos para dopar os nossos.
Fomos feitos para proteger o povo cambojano da fome, do império e do esquecimento.

Ele pausa, olhando nos olhos daqueles que antes chamavam Kiri An de mestre.

“Agora, vamos retomar essa luta. Com o punho limpo. Com a mente livre.
Se me seguirem, juro diante dos nossos mortos... faremos justiça.
E o nome ‘Heróis do Khmer Vermelho’ voltará a significar o que sempre deveria ter sido:
o punho cerrado da liberdade.”

O silêncio dura um segundo. Talvez dois. E então:

Um urro.
Um grito coletivo.
Punhos ao alto.

“ÔÔÔÔÔNG! ÔÔÔÔÔNG!”

O chão parece tremer. Mesmo feridos, mesmo sem saber o dia de amanhã, os guerrilheiros saltam, se abraçam, cantam como quem foi devolvido à vida.

Ali, sob o céu cinza e sobre o barro da montanha, a Stargazer testemunha sua primeira vitória no Camboja.
E Ong Son, agora erguido em ombros, não é mais o traidor que fugiu.
Ele é, novamente, o herói que voltou.


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