O Calvário das Caldeiras IV - Luta Feminista
O Calvário da Sala das Caldeiras IV – Luta Feminista
Música de Apoio: "Non, Je ne regrette rien" (Edith Piaf)
O corpo de Amélie tremia enquanto ela tentava recuperar o fôlego. O ar abafado e úmido da sala das caldeiras contrastava com o frio que ela sentia por conta da água imunda jogada sobre sua pele nua e molhada. Para piorar, ela começou a sentir um formigamento nos pulsos e nas canelas por causa das amarras, e suas coxas e nádegas começaram a doer pela desconfortável cadeira de ferro. Sua aparência agora refletia a situação: a maquiagem tinha sido lavada pela água podre, deixando seu rosto, ombros e peito manchados pela sujeira e pelos restos borrados de maquiagem. Seu lado esquerdo estava avermelhado pelos golpes. Apesar da lamentável aparência, Amélie tentava respirar regularmente e encarar seus algozes com mais ódio do que medo.
Dominique fez um sinal para Étienne, que deu um passo à frente, visivelmente desconfortável. Ele segurava sua Bíblia com força, os olhos cintilando de nervosismo.
—A-agora, Boucher, vamos falar de f-feminismo. Você se identifica com ideologias feministas? V-você acredita que mulheres devem ter tra-tratamentos iguais aos homens?
Amélie respirou fundo, sabendo que precisava ganhar tempo entre uma tortura e outra. Ela tinha uma estratégia em mente: responder de forma elaborada, provocando argumentos e prolongando seu tempo de descanso entre as sessões.
—Não, não me identifico com o feminismo. Feministas são encrenqueiras, ocupadas demais com autopiedade para lutar por seu lugar ao sol.
Lyonel fez uma careta enquanto se aproximava ainda mais, os olhos percorrendo de forma lasciva seu corpo exposto.
—Perspectiva interessante, Amélie, ma chère. — Rimando sarcasticamente o nome dela com o termo afetuoso. —Mas não estamos convencidos. —
Ele pegou um balde de aço cheio de água imunda e ficou ao lado dela enquanto Dominique enfiava um trapo em sua boca. Sem aviso, ele despejou o conteúdo frio e fétido sobre sua cabeça.
Amélie se contorceu e se debateu, tentando virar o rosto, mas Dominique segurou sua cabeça firme, fazendo com que a água invadisse sua boca e nariz. Quando finalmente ele a soltou e tirou os trapos, ela começou a tossir violentamente, nada de seu reflexo de vomito saiu, exceto tosses violentas, sofridos gemidos e saliva.
—Vamos ver se conseguimos uma resposta mais sincera, — disse Dominique, sua voz desprovida de emoção. Ele fez um aceno para Étienne, que, apesar do desconforto, ajeitou os óculos e se empertigou.
—P-por favor, Mademoiselle Boucher, — gaguejou Étienne. —M-mulheres como você, que t-tomam a iniciativa, que lutam por seu lugar... não é isso que o feminismo d-defende?
Tremendo os dentes, Amélie o fitou, não querendo transparecer no olhar o que seu corpo denunciava. Eles claramente não estavam interessados em uma conversa; talvez, se ela desse uma resposta vaga, eles pediriam uma explicação. —Não, não é. As feministas são preguiçosas. Elas reclamam em vez de trabalhar duro.
A expressão de Dominique endureceu. —Não me convenceu.
Lyonel, abriu um sorriso sádico e trouxe o dispositivo de eletrocussão mais perto. Desta vez, o homem desprezível conectou os eletrodos em seus delicados seios. O metal frio aderiu aos mamilos, fazendo-a ofegar e arregalar os olhos, o cenho se franzir, mas ela sabia que o pior ainda estava por vir e se preparou para tal.
—Pronta? — perguntou Lyonel em deboche, pouco antes de acionar o dispositivo.
A eletricidade percorreu seu corpo, e ela convulsionou violentamente. Seus músculos se contraíram dolorosamente, sua garganta ardendo para soltar um grito, mas ela o sufocou em um grunhido, recusando-se a dar a eles essa satisfação. Finalmente, a corrente cessou, Amélie ofegou, seu corpo involuntariamente desabando na cadeira.
Dominique se aproximou, seu rosto a poucos centímetros do dela.
—Você não está nos convencendo, Boucher. Talvez você seja apenas um tipo diferente de feminista. Uma covarde, que finge não ser.
Amélie não conseguia pensar direito, seus seios pareciam estar sendo queimados por chamas invisíveis, cada pulsação intensificava a dor em ondas. A dor ia além da sensação física, a vergonha de estar sendo violada daquela forma chegava a ser mais doloroso. Seu corpo tremia violentamente, cada terminação nervosa em chamas com dores agudas de agonia que irradiavam por todo o seu ser. Cada respiração era uma luta, cada expiração era pontuada por um gemido gutural de dor. Seus dentes rangiam incontrolavelmente, em uma batida estapafúrdia nascida da raiva fervente, do tormento insuportável e da vergonha avassaladora.
Dominique grunhiu, avançou sobre ela e lhe deu um tapa no rosto. —Foco! Mlle. Boucher! Responda honestamente à pergunta de agente Blanchett!
O tapa foi forte o suficiente para jogar sua cabeça para o lado, deixando uma marca vermelha em sua bochecha. O tapa serviu instantaneamente ao seu propósito, tirando Amélie de seu atordoamento. Sua visão ficou embaçada momentaneamente devido à força do golpe, mas a ardência na bochecha a trouxe de volta à dura realidade de sua situação. Ela podia sentir o gosto de sangue, um sabor metálico que se misturava à amargura de sua fúria. Apesar da dor aguda que percorria seu corpo, Amélie se forçou a encarar Dominique, com os olhos ardendo em desafio.
Agora ela entendia que nada que pudesse dizer os impediria de torturá-la. Com esta desalentadora conclusão, ela decidiu dizer a eles que o quanto os odiava e jogar a verdade nua e crua na cara deles. Se eles continuassem, ela pelo menos teria a vitória moral e lhes negaria o prazer de quebrá-la. Os olhos de Amélie ardiam em desafio e ultraje.
—Eu odeio vocês, Espèce de déchet humain! Não sou feminista! — gritou ela, avançando contra Lyonel da melhor forma que pôde enquanto amarrada. —Conquistei tudo o que tenho por meio de muita luta e determinação! Não choramingando por tratamento igualitário!
—Bah, mas está choramingando agora! —Lyonel riu para logo em seguida seu rosto se contorcer em um largo sorriso e se inclinou sobre ela enquanto tocava seu rosto, acariciando sua bochecha em uma grotesca zombaria de ternura. —Você é uma lutadora e tanto, “La Rose de Saint-Cyr”. — Ele disse, em um tom distorcido de carinho, evocando o apelido que os jornais lhe deram quando ela foi admitida na Academia. —Mas eu me pergunto se essa luta ainda existirá quando você perceber o quanto está exposta? Quando souber que podemos fazer o que quisermos com você? — Ele olhou com um olhar de lobo para as partes íntimas dela.
O rosto de Étienne se contorceu em desconforto. —L-Lyonel, já chega! D-decoro, p-por favor! Nós somos seus su-superiores!
Amélie viu uma oportunidade em semear discórdia. —Ouça o que ele tem a dizer, Lyonel. Ou você se aproveita dessa situação porque é a única maneira de estar com uma mulher? —Ela sorriu maliciosamente, devolvendo-lhe um sorriso lupino.
A tensão na sala disparou. A expressão de Lyonel escureceu e ele se moveu para golpeá-la, mas Dominique interveio. —Chega! Vocês dois. — A voz de Dominique era de aço frio. Ele se inclinou e deu um soco calculado no estômago de Amélie. O impacto forçou o ar de seus pulmões, fazendo com que ela se dobrasse o máximo que suas amarras permitiam, tossindo violentamente. —Você acha que pode nos manipular, Boucher? Reconsidere.
Amélie recolheu-se de dor, e neste momento, apesar de tudo, ela foi tomada por fúria. Seu corpo se sacudiu contra as amarras, forçava desesperadamente seus pulsos numa tentativa de soltá-los, mas foi inútil. Ela gemeu em frustração, cansaço e dor, sua respiração vinha em um arfar esfarrapado, mas seus olhos brilhavam com uma raiva inabalável. —Vocês são patéticos! Todos vocês! — Ela cuspiu as palavras entre respirações difíceis, seu espírito combativo não diminuiu, apesar da dor aguda.
O rosto de Dominique permaneceu impassível. —Fixe os eletrodos em suas coxas — ordenou ele. Lyonel suspirou bem-humorado, removendo as fitas com um puxão rápido de seus seios, fazendo-a se retrair de dor, e depois dando tapinhas rápidos em seu seio esquerdo. Em seguida, ele prendeu os eletrodos na parte interna das coxas dela. O metal parecia ainda mais frio perto de seu órgão sensível, e Amélie conteve o desespero e cerrou os dentes, não havia tempo para protestos.
Étienne, afrouxando a gravata, deu um passo para trás, incapaz de esconder seu desconforto. —Responda à pergunta, Boucher. P-por que você se acha melhor do que as feministas?
Amélie olhou para ele e respondeu com os dentes cerrados, se recusando a relaxar frente ao que ela sabia que viria, não importa o que ela falasse. —Porque eu não falo apenas sobre mudanças. Eu dou o exemplo. Não grito nas portas. Eu as arrombo para que outras mulheres invadam. Eu não peço, eu tomo. Não sonho. Eu faço acontecer.
—Ah, cala a boca! — Lyonel esbravejou e ativou o dispositivo elétrico antes mesmo que ela terminasse de falar. A eletricidade a atravessou novamente, seu corpo se sacudindo violentamente. A dor era insuportável, mas ela cerrou os dentes, recusando-se a gritar ao ponto de fazerem eles rangerem; sua bexiga ansiava por liberação, mas ela não queria dar isso a eles. Quando finalmente o choque parou, ela ficou ofegante, à beira de desmaiar.
Dominique assentiu com a cabeça, parecendo satisfeito por enquanto. —Bom. Você arrombou essa porta, “Lionne de Lyon”. — Usando o apelido que ela recebeu após concluir o curso militar. Ele então se inclinou sobre o ouvido dela e sussurrou perversamente. —Mas ainda irei te por de joelhos! Depois se empertigou e ordenou com frieza, aquele rompante de perfídia desaparecido. —Continuemos.
Amélie mal o ouviu em meio à névoa de dor e exaustão. Sua visão ficou embaçada, mas ela se forçou a ficar consciente, a se preparar para o que viria a seguir. O interrogatório estava longe de terminar, mas ela sabia que tinha que aguentar. Tinha que sobreviver.
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