O Calvário da Sala das Caldeiras I - O Cordeiro Sacrificial
O Calvário da Sala das Caldeiras I - O Cordeiro Sacrificial
Musica de Apoio: Charles Aznavour - La Bohème" de Charles Aznavour
Era uma manhã chuvosa em Paris, em 1977. O céu cinzento espelhava a atmosfera opressiva dentro da sede da SDECE. Uma jovem entrou no prédio, com um sorriso cheio de expectativas decorando um rosto sardento marcado por olhos castanhos afiados, quase de aparência asiática, um nariz pequeno e pontudo e traços femininos fortes, emoldurados por uma cascata de cabelos dourados que caíam até os ombros. A garota que atendia pelo nome de Amélie Boucher era uma imagem impressionante. Sua forma atlética e atraente chamava a atenção devido à parte inferior do corpo bem desenvolvida, o que lhe conferia uma beleza exótica para uma mulher europeia. Ela estava vestida modestamente com uma blusa social abotoada com ombreiras, calça jeans social e maquiagem de bom gosto. Seu coração batia forte de ansiedade. Ela estava prestes a começar seu primeiro dia na agência de inteligência francesa, um cargo para o qual havia trabalhado incansavelmente. Sua mente estava cheia de orgulho, senso de dever e um toque de ansiedade.
Ao entrar no saguão e guardar o guarda-chuva e o casaco no porte-manteaux do saguão, ela foi recebida por Marc Marchand, o superintendente. Ela se surpreendeu por esta recepção direta no lobby, porém não disse nada. Marchand é homem magro, de meia-idade, com um sorriso perpétuo, ele parecia caloroso e acolhedor à primeira vista. Mas havia algo desconcertante em seu comportamento, um toque de insinceridade por trás de sua fachada amigável.
—Ah, Mademoiselle Boucher — disse ele, estendendo a mão. Bem-vinda ao SDECE. Temos o prazer de tê-la a bordo.
—Obrigada, Monsieur Marchand — respondeu Amélie, apertando a mão dele com firmeza; a mão dele era macia, e ele foi pego de surpresa pelo forte aperto de mão. —É uma honra estar aqui.
Recomposto, os olhos de Marc brilharam com um toque de malícia. —Tenho certeza de que você se adaptará muito bem. - Ele disse enquanto acompanhava a chamada do elevador.
Ao chegar ao andar do escritório, Marchand a convidou para entrar de forma cortês e um pouco teatral. —Agora, deixe-me apresentá-la a alguns de seus colegas.
Eles percorreram os corredores labirínticos, passando por agentes absortos em seu trabalho. O ar estava impregnado com o aroma de café, o cheiro de tabaco impregnado nos móveis e o zumbido das conversas.
—Pierre Bouquet, — Marchand chamou quando eles se aproximaram de um jovem com cabelo preto curto e olhos azuis. Pierre se levantou, seu corpo magro parecia quase frágil. Os olhos de Bouquet encontraram os dela e se arregalaram momentaneamente, como se ele tivesse visto algo que o impressionou, mas então ele se recompôs. Ele então ofereceu a Amélie um sorriso tímido, seu comportamento gentil e amável.
—Bonjour, Mademoiselle Boucher”, — Pierre cumprimentou, sua voz suave e sincera, mal escondendo seu entusiasmo genuíno. Bem-vinda à equipe.
—Bonjour”, — respondeu Amélie, sorrindo de volta para ele, sentindo uma sensação de conforto em sua presença. Ela começou a refletir que poderia fazer bons amigos ali.
Em seguida, eles encontraram Étienne Blanchet, um homem corpulento com cabelos curtos e carecas e um bigode fino e bem cuidado. Étienne se levantou, ajeitando seus óculos redondos e oferecendo um sorriso educado, embora reservado.
—B-bonjour, Mademoiselle Boucher, —Étienne cumprimentou, com um leve gaguejo na voz. -Bem-vinda.
—Bonjour —respondeu Amélie, sentindo a rigidez em sua postura e a severidade em seus olhos. Sua pesada aliança de ouro brilhava sob as luzes fluorescentes, e um crucifixo pendia de seu pescoço, marcando-o como um homem de fé devota.
Quando ela se afastou dele, sentiu seus olhos fixos nela, como se ele a estivesse julgando.
Ao continuarem o passeio, encontraram Lyonel Moreau, um homem alto, bonito e atlético, com cabelos castanhos e um ar de cinismo. Ele se encostou em sua mesa, olhando para Amélie com uma mistura de curiosidade e malícia.
— Ora, ora, a nova recruta, —disse Lyonel, com um sorriso nos lábios, os olhos finalmente fixos nos dela depois de percorrerem seu corpo sem pudor. — Espero que você esteja pronta para ação de verdade.
Amélie forçou um sorriso, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. —Estou, Monsieur Moreau.
Lyonel riu, o som baixo e ameaçador, enquanto a despia novamente com os olhos. —Veremos.
Foi um alívio se afastar dele, e Boucher fez uma anotação mental para não exagerar na maquiagem da próxima vez e para sempre usar o cabelo preso.
Finalmente, eles chegaram ao escritório de Dominique Leclerc, o chefe da seção. Dominique, uma figura imponente, exalava uma aura de intimidação. Seus cabelos loiros e olhos azuis contrastavam fortemente com seu comportamento bruto. Ele se levantou da cadeira e se aproximou dela, sua sombra a cobrindo. Estendeu a mão maciça e segurou a dela com um aperto assertivo.
— Bem-vinda, Mademoiselle Boucher — disse Dominique, com a voz profunda e ameaçadora, a mão dela desaparecendo em seu aperto forte, quase violento. —Ouvi falar muito de você.
—Obrigada, Monsieur Leclerc —respondeu Amélie, com a voz firme apesar do desconforto que sentia.
Quando o tour terminou, Amélie se viu de volta à área principal do escritório, Marchand lhe deu espaço para tomar um pouco de café antes de continuar o tour.
Enquanto se acalmava após a intensa experiência de conhecer os veteranos, ela avistou a única agente feminina da divisão além dela mesma, se ela se lembrava corretamente do que estudou, era Eliza Benchetrit, a misteriosa franco-argelina que estava aqui há dois anos.
Ela também a viu. Na verdade, ela a estava observando por um bom tempo quando começou a ir em sua direção. Amélie achou que seria bom tê-la como amiga, para ter um pouco de confidência feminina nesse ambiente claramente dominado por homens.
Mas ela logo notou que a agente pequena, atarracada e de pele escura estava se aproximando dela com alarme disfarçado no rosto, o que colocou Amélie em alerta. Eliza se aproximou, com uma expressão indecifrável.
—Boucher, —Eliza disse suavemente, olhando de soslaio para se certificar de que estavam sozinhas. —Não leve para o lado pessoal nada do que acontecer hoje. Seja forte, resista.
Amélie franziu a testa, intrigada com o aviso enigmático de Eliza. Quando ela estava prestes a pedir esclarecimentos, Marc Marchand reapareceu.
—Ah! Vejo que você já se encontrou com Mademoiselle Benchetrit! Obrigado, minha cara, deixe comigo a partir daqui! Venha, minha querida. —Gesticulando para que Amélie a seguisse.
Amélie se virou para procurar Benchetrit, mas ela já havia desaparecido da sala.
—É hora de uma orientação mais aprofundada, —anunciou Marc, com um sorriso que não diminuía, enquanto os três agentes veteranos se juntavam ao grupo.
Eles seguiram atrás deles em silêncio, como se fosse uma espécie de procissão sinistra. Amélie se sentiu um pouco desconfortável e esfregou seu braço esquerdo.
-Relaxe, mademoiselle Boucher. —Dominique falou com sua voz sombria. Nossa presença é necessária para as explicações mais especializadas do que vem a seguir. Ela forçou um sorriso e tentou relaxar, mas não conseguiu afastar a sensação irracional de perigo que sentia.
Amélie seguiu Marc. Étienne, Lyonel e Dominique atrás deles, enquanto eles a conduziam pelo prédio. A atmosfera ficava mais pesada a cada passo, as luzes fluorescentes lançavam sombras fortes nas paredes. Eles desceram uma escada estreita, com o ar ficando mais frio e opressivo a cada passo.
Na entrada de um corredor pouco iluminado, Marc parou e fez um breve aceno para os homens.
—É aqui que eu a deixo, Mademoiselle Boucher. Os cavalheiros cuidarão do resto a partir daqui.
Amélie assentiu, embora seu coração batesse mais alto no peito, ela estava rígida de apreensão. Ela olhou de volta para Marc, cujo sorriso parecia mais uma máscara agora, escondendo algo mais sombrio. Apesar de seu instinto lhe dizer para fugir deles, ela lutou contra isso. Que mal poderia lhe acontecer acompanhada de seus pares?
Dominique abriu uma porta de madeira reforçada, revelando uma passagem sombria que levava às entranhas do edifício. O som de máquinas e o leve cheiro de óleo e umidade enchiam o ar.
—Por aqui —disse Dominique, seu tom não deixando espaço para hesitação.
Ela começou a acreditar que seu instinto estava certo, afinal de contas. Mas agora não havia como voltar atrás. Ela suspeitava que eles estavam preparando algum tipo de teste ou trote para ela. Como a primeira mulher em Saint-Cyr, ela recebeu uma recepção semelhante quando foi forçada a correr cinco voltas no estádio descalça e sendo bombardeada com farinha e ovos. Será que era sobre isso que Benchetrit estava tentando avisá-la?
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