O Calvário da Sala das Caldeiras II – Debatendo-se na Areia Movediça

 

O Calvário da Sala das Caldeiras I – Debatendo-se na Areia Movediça

Música de Apoio: Noir Désir - Le Vent Nous Portera

Amélie desceu para as profundezas sombrias do prédio, sentindo o ar ficar mais frio e opressivo a cada passo. O som das máquinas ecoava pelo corredor estreito, e o leve cheiro de óleo e umidade enchia suas narinas. Ela sentia uma crescente sensação de desconforto, seus instintos aguçados por anos de caça e treinamentos militares a alertavam para o perigo.

Lyonel liderava o caminho com entusiasmo, pulando na escuridão como um personagem distorcido de um conto de fadas macabro, seguido por Étienne, cuja forma corpulenta balançava enquanto descia as escadas. Dominique a seguia de perto, sua figura imponente bloqueando qualquer possível rota de fuga.

—Tá tudo bem, Amélie! Pode estar um pouco escuro, mas os degraus são bem uniformes. Dá pra descer sem medo! —Lyonel falou com um humor que diminuía a gravidade da situação, e sua intimidade ao usar seu primeiro nome sem permissão só a irritou ainda mais.

Dominique a empurrou pelo braço; foi só um tapa com a mão, mas foi suficiente para fazê-la dar os primeiros passos para baixo. Em seguida, ele agarrou seu braço e apertou até doer, inclinando-se em direção ao seu ouvido e sussurrando de forma ameaçadora:


 

—Você mostrou coragem até agora, garotinha. Mas lembre-se, ninguém vai te ajudar a partir de agora. —E a soltou com um empurrão. Boucher tinha quase certeza de que era um trote, mas temia que fosse algo muito pior do que havia imaginado.

Conforme desciam, Étienne se virou, e seu rosto se transformou em uma fúria indignada.

—V-você realmente achou que p-poderia ser uma de nós sem provar que é d-digna, garota? A-achou que somos uma piada? Uma b-boutique que você pode entrar quando quiser? —Ele falou nervosamente enquanto alcançava algo escondido em seu paletó.

Ele devia estar falando sobre a entrevista que ela teve com Monsieur Marchand; ela mesma ficou muito desapontada com aquilo. Ela esperava que ele lhe desse a chance de passar pelos testes necessários e, se os impressionasse, se juntar à divisão. Mas, em vez disso, ele lhe entregou a posição sem pensar duas vezes.

Ela começou a formular sua resposta na cabeça, quando Étienne puxou um grande revólver e apontou para sua barriga, engatilhando o cão, fazendo o tambor girar, mostrando que não estava de brincadeira. Ela ofegou de medo ao ver o revólver e deu um passo para trás.

—Monsieur Blanchet, isso não é necessário... —ela começou.

—S-silêncio! Você a-achou necessário p-para nós ter uma mulher ímpia que trapaceia p-para entrar na defesa mais s-sagrada que a França p-possui?

Dominique parou, sua expressão impassível. Lyonel, por outro lado, ofegou quando viu a arma de Étienne apontada para Boucher. Amélie notou como a expressão de surpresa dele era teatral.

—Espere um pouco grandão! Calma! Você não vai realmente estourar os miolos dessa menina mimada aqui, vai? —Lyonel fala com um tom calculado de preocupação. —Agora guarde a arma e vamos seguir com o plano, certo?

Boucher sentiu em Lyonel um ar de "policial bonzinho".

—Escute seu parceiro, ... —Amélie tentou, mas foi brutalmente interrompida por Étienne.

—S-silêncio, meretriz! —Apontando a arma para Boucher mais uma vez e então se dirigindo aos outros. —Podemos a-acabar com isso aqui e a-agora! E-eu posso remover o oportunismo dessa Jezebel sem que tenhamos que ir mais l-longe! Permita-me um mo-

Desta vez foi a vez de Dominique perder a paciência.

—VAMOS CONTINUAR COM O PROGRAMA! Blanchet, guarde essa arma antes que eu perca a paciência.

Com um engolir seco, Étienne guardou sua arma no coldre em sua lapela.

—Perdoe o desabafo emocional do Agente Blanchet, Mademoiselle Boucher, por favor, continue andando. —Ele falou com uma cordialidade medida, mas sua pesada mão esquerda pressionou seu ombro, deixando claro que não havia escapatória. Lyonel deu uma risadinha e começou a assobiar uma canção.

O coração de Amélie batia forte em seu peito à medida que chegavam ao fim das escadas. A luz fraca revelava uma lamparina a gás no fundo, mal iluminando o local. Lyonel e Étienne flanqueavam Boucher pelos lados, e enquanto seus olhos começavam a se acostumar à escuridão, ela pôde ver o que a Sala das Caldeiras escondia em suas sombras e cantos ocultos.

No canto inferior esquerdo da sala, havia uma cadeira de aço, sinistramente posicionada sob uma única lâmpada trêmula. Perto dali ela conseguia distinguir uma bateria de carro, fios elétricos, baldes de aço cheios de água suja, trapos, tiras de couro e cordas. A visão fez os pelos de sua nuca eriçarem, e ela instintivamente deu um passo para trás, entendendo com clareza o que eles pretendiam fazer.

—O que é isso? —ela exigiu, sua voz firme apesar do medo crescente.

—Apenas um pequeno teste, —Dominique respondeu, seu tom enganosamente calmo. —Você pulou seu teste original, mas não pode pular este. Precisamos ver do que você é feita, Mademoiselle Boucher.

Os olhos de Amélie se estreitaram. —Tenho toda a intenção de me provar para vocês, mas não desse jeito! Isso é loucura!

O sorriso de Dominique era predatório. —Loucura é o que enfrentamos todos os dias no campo. Você não faz ideia do que loucura significa. Vamos te dar uma pequena amostra.

Lyonel se aproximou, seu sorriso se alargando. —Não é nada pessoal, chérie Amélie. Considere isso como um rito de passagem, o teste que Marc não passou por você. —Ele fala enquanto a toca no peito com dedo indicador estendido.

Étienne, ajustando os óculos, acrescentou: —O-o-tempo de voltar pra casa e se arrepender dos seus p-pecados já p-p-passou, garota. É hora de pedir a Deus para te g-guiar pelos desafios que estão por vir.

Ele suspirou, claramente mais calmo agora. Seu tom era de resignação, quase de piedade.

Os punhos de Amélie se cerraram ao lado do corpo, e ela rangia os dentes. —Não gosto de ser forçada a fazer nada. — Ela já viu o bastante; se esses homens pensam que vão fazer o que querem com ela, estão muito enganados.

Ela olhou ao redor da sala, seus olhos atentos notando os itens estrategicamente colocados. Sua mente trabalhava, desvendando as intenções deles. Ela sentiu uma onda de raiva e determinação. Ela não ia deixar esses homens a intimidarem.

Étienne estendeu a mão para agarrá-la.


 

Num movimento repentino, Amélie desferiu um chute poderoso, mirando na virilha de Étienne. O golpe acertou em cheio, e ele se curvou com um gemido, os óculos escorregando pelo nariz.


 

Lyonel investiu contra ela em um salto, tentando agarrá-la, mas Amélie estava pronta. Ela se esquivou e avançou em Lyonel enquanto este tentava recuperar seu equilíbrio, dando-lhe um chute frontal no abdômen que o fez recuar alguns passos; então aproveitou o impulso e o atingiu com um chute giratório de calcanhar na mandíbula, fazendo-o cair no chão uivando de dor, dentes saltando de sua boca.

Dominique observava com uma mistura de diversão e irritação. Ele avançou, sua figura maciça se erguendo sobre Amélie. Ela sabia que estava em desvantagem em termos de tamanho e força, mas não iria desistir sem lutar.

Boucher se posicionou para encarar Dominique, mas ele não estava mais lá. Ela o avistou com o canto do olho, mas ele foi mais rápido e desferiu um soco no corpo com o punho direito. Ela arqueou, contraindo o rosto de dor, e tentou acertar um soco giratório no queixo de Dominique, passando de raspão, mas um quase acerto não foi o suficiente. Ele a agarrou por trás, prendendo seu braço esquerdo em uma chave de corpo e a levantou como se fosse nada. Leclerc saca um cassetete do bolso. Ela tenta chutar sua perna, segurar sua mão com a mão livre e se debater descontroladamente, mas ele é forte demais. Ele atacou com o cassetete, atingindo-a com força na lateral da cabeça. Estrelas explodiram em sua visão, fazendo-a cambalear, as pernas cedendo sob seu peso.

Dominique agarrou os dois braços dela, torcendo-os dolorosamente para trás. —Você tem espírito, isso eu admito, —ele rosnou. —Mas isso acaba agora.

Amélie lutava, chutando e se debatendo, mas o aperto de Dominique era implacável. Ele a levanta pelos braços entrelaçados, a erguendo quase por cima de sua cabeça, e a joga no chão, fazendo-a cair pesadamente.

 

Ela lutava para se levantar, um rosnado baixo saindo de sua garganta. Lyonel e Étienne se forçaram a levantar para ajudar, mas Dominique os mandou ficar atrás com um grito. —Eu cuido disso, —disse ele, a voz carregada de autoridade.

Amélie tentou se levantar, a cabeça ainda girando, conseguiu erguer o corpo do chão, apoiando-se nas mãos e nos joelhos. Sua luta obstinada contra a dor fez Dominique rir grosseiramente.

—É como ver alguém se debatendo em areia movediça!

Ele enfiou a mão no bolso e puxou o cassetete mais uma vez, e se ajoelhou sobre suas costas, fazendo-a cair no chão novamente. Ela estava imobilizada.

—Boa luta.

Com isso, ele baixou o cassetete com força calculada.

A visão de Amélie ficou turva, a dor do golpe na cabeça tornando difícil se concentrar. Ela sabia que estava em uma situação desesperadora, mas sua determinação permanecia inabalável. Ela suportaria aquilo, exatamente como Eliza a havia alertado de maneira enigmática.

A última coisa que viu foi a expressão fria e triunfante de Dominique antes que a escuridão a consumisse.

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